O Brasil tem condições de ser um dos protagonistas globais na produção e comercialização de hidrogênio verde, elemento que irá contribuir para o processo de descarbonização da economia. Já são dez os projetos em desenvolvimento no país, com um potencial de investimentos de US$ 125 bilhões para os próximos anos.
Apesar do potencial, o Brasil precisa apressar o passo. Segundo Sérgio Augusto Costa, presidente da ABHIC (Associação Brasileira de Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis), o país está cerca de vinte anos atrasado na exploração dessa indústria, mas ainda é possível absorver a tecnologia já desenvolvida e acelerar a produção.
Para a associação, o Brasil tem condições de expandir esses projetos, que inicialmente devem ter 70% da produção destinado ao mercado externo. Em linha com essa projeção, diversos projetos já estão em andamento, sendo o maior deles o da francesa Qair, que está investindo US$ 6,9 bilhões em uma planta no Ceará.
Apesar do prognóstico positivo, Costa reforça que há desafios para serem ultrapassados para que as estimativas saiam de fato do papel, entre eles a aprovação do marco regulatório. “É fundamental que haja uma legislação específica que ordene esse processo, possibilitando assim a abertura, o desenvolvimento e o fomento deste mercado”, disse em entrevista ao EnerVision. Confira:
A associação já tem alguma projeção de quanto será a produção de hidrogênio no Brasil e quando se deve atingir essa expectativa?
O Brasil possui um potencial gigantesco quando se trata de hidrogênio verde. O país pode vir a se tornar um dos maiores exportadores de hidrogênio do mundo, em especial para a Alemanha, que já informou que importará até 70% do hidrogênio para atender sua demanda interna, de 10 gigawatts (GW), até 2026. Esta é uma oportunidade incrível de transformar o Brasil em um dos maiores parceiros de exportação de derivados de hidrogênio para a Alemanha.
Conforme Hydrogen Council, o momento é de expansão. Mais de 1.000 propostas de projetos foram anunciadas em todo o mundo.
A Europa continua a ser a líder mundial em propostas de projetos de hidrogênio, com os maiores investimentos, US$ 117 bilhões (35% dos investimentos totais), e maior crescimento absoluto (US$ 40 bilhões).
A América Latina e a América do Norte seguem a Europa, cada uma representando cerca de 15% dos investimentos anunciados.
E em relação à pesquisa e desenvolvimento, qual o patamar que o Brasil se encontra? Não está atrasado em relação ao que já está sendo feito em outros países?
Sim, estamos no patamar inicial. Com certeza estamos atrasados, no mínimo uns 20 anos, mas acredito que possamos absorver a tecnologia e realizar um desenvolvimento contínuo nas tecnologias de produção de hidrogênio.
Como está a preocupação em relação à regulação? Há algum trabalho de acompanhamento dos projetos de lei em andamento no Congresso?
Atualmente a questão regulatória é um dos principais gargalos do setor. O Brasil não possui um marco regulatório que propicie a segurança jurídica essencial para a realização de investimentos, ainda mais no caso do hidrogênio que exige capital intensivo.
No processo de implantação de um projeto de hidrogênio, a ABHIC identificou que é exigida a interface de diversos atores regulatórios, como Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANA (Agência Nacional de Águas), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Antaq (Agência Nacional de Transportes Rodoviários), Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e ANP (Agência Nacional do Petróleo).
Portanto, é fundamental que haja uma legislação específica que ordene esse processo, possibilitando assim a abertura, o desenvolvimento e o fomento deste mercado.
A ABHIC mantém agenda regular em Brasília e acompanha de perto os projetos de lei em elaboração pelo Poder Executivo.
Pelo entendimento que se tem até agora, será considerado verde apenas o hidrogênio que se originar em eletrólise feita a partir de energia solar ou eólica? Energia de hidrelétricas e biomassa não entram?
Conceitualmente, hidrogênio verde é aquele produzido pela eletrólise da água usando energia elétrica produzida por fontes renováveis: hidrelétrica, eólica, solar, biomassa, geotérmica etc. Neste processo, nenhum carbono (CO2) é produzido (é o chamado “Net Zero CO2 Emission”).
E em relação aos subsídios, é esperado algum?
Hoje eu digo que não tem ambiente para colocar subsídio. Essa é a realidade, apesar de o subsídio inicialmente ser necessário para que esse setor possa ser viabilizado no Brasil.
Mas não deve ser subsídio “ad eternum”. É necessário ter uma métrica. Assim que a tecnologia tiver uma diminuição de custos em níveis que rentabilizem adequadamente os investimentos, deve-se avaliar a retirada destes subsídios, mantendo assim um drive de tendência de queda dos custos e atratividade de investidores no setor.
O problema é que no Brasil os subsídios viram direitos e depois até acabam servindo como assistência para outras atividades que não têm nenhuma relação com o planejamento original do incentivo econômico. Tem que ter início, meio e fim.
Diferentemente dos Estados Unidos, que possuem o incentivo da IRA (Inflation Reduction Act (IRA), o qual reduz os custos de energia renovável para organizações, por meio dos créditos fiscais, e auxiliam a transição energética, no Brasil o nosso Tesouro Nacional não tem condições de subsidiar mais nada. Assim, temos que avaliar de fato como ter um custo nivelado de energia renovável que seja competitivo, lembrando que na produção de hidrogênio verde o custo da eletricidade, produzido por fonte renovável para o processo de eletrólise, é responsável por 50 a 70% do custo total de produção.
Qual deve ser a fatia da produção de hidrogênio que será exportada? E quanto será destinado ao mercado doméstico?
Imaginamos que, inicialmente, seja uma proporção de 70% para exportação e 30% para atendimento do mercado interno. E conforme nosso mercado evolua e amadureça, essa proporção se iguale ou mesmo se torne maior para o atendimento ao mercado interno.
Há algum trabalho das associadas para que a legislação e regras em vigor no Brasil sigam as diretrizes europeias?
Para atender aos requisitos de importação por parte dos europeus, temos sim que atender as diretrizes europeias, principalmente na questão de certificação do hidrogênio verde.
Já há alguma empresa que produza hidrogênio verde no Brasil comercialmente?
Atualmente estão em desenvolvimento projetos em escala comercial, além de projetos-pilotos. Podemos destacar dez: Unigel (Bahia); Qair (Pernambuco); Qair (Ceará); Casa dos Ventos e Comerc (Ceará); Fortescue (Ceará); AES (Ceará); White Martins (Pernambuco); Eletrobras Furnas (Goiás e Minas Gerais); EDP (Ceará); e Shell, Raízen, Hytron e Toyota (São Paulo).
E qual a previsão do quanto será investido em hidrogênio no Brasil nesse ano e no próximo?
O potencial brasileiro é de US$ 125 bilhões investidos nos próximos vinte anos, de acordo com projeção da consultoria McKinsey & Company.