EnerVision: PL do “Combustível do Futuro” precisa evitar risco de frear inovação

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O projeto de lei (PL) do “Combustível do Futuro” foi aprovado na Câmara dos Deputados, mostrando o início da concretização da agenda verde eleita como prioridade pelo governo federal. O desafio agora é que as medidas do texto base culminem em um equilíbrio que alinhe sustentabilidade e crescimento econômico.

O PL, entre outros pontos, aumenta a presença de biocombustíveis na composição do diesel e estabelece a redução da emissão de gases por parte do setor aéreo. O texto precisa ser aprovado pelo Senado Federal.

Na avaliação de Bianca Bez, advogada da área de Contencioso e Arbitragem com ênfase em Energia do BBL Advogados e diretora jurídica da ABHIC (Associação Brasileira de Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis), a regulação aprovada vai implicar um ganho ambiental para o país, mas é preciso que ela seja implementada de forma que não impeça a inovação. Confira os principais trechos da entrevista.

O projeto de lei do “Combustível do Futuro”, da forma como foi aprovado, tem consequências positivas para a economia?

O PL traz algumas mudanças significativas com a intenção de, em tese, atrair mais investimentos. Aí destaco algumas nuances do programa, como a criação de um programa para um combustível de aviação mais sustentável. Isso pode criar um mercado mais atrativo para novas tecnologias e empresas. Essas áreas serão incentivadas. Também trata da questão do etanol e do aumento da demanda por biocombustível (que gradualmente vão ter uma participação maior na composição do diesel. A captura e estocagem de CO2 é o terceiro ponto que é abordado (no PL). Há ainda o mérito de o texto utilizar programas já existentes, fazer a integração entre os programas, como o Renova Bio e o de etiquetagem veicular. O PL também dá espaço para as metas internacionais, o que pode aumentar a confiabilidade por parte dos investidores estrangeiros.

Esse PL é suficiente para atrair esses investidores?
Pegando esses pontos principais, eu diria que sim. A lei tenta criar um ambiente mais favorável para esses investimentos e alinhar a política brasileira com as tendências globais, como as metas do Acordo de Paris.

Além do PL, falta alguma regulação para colocar os pontos aprovados pelos deputados em prática?
Esse tema ainda vai precisar de regulação, sobretudo da ANP (Agência Nacional do Petróleo). Há dispositivos no PL em tramitação sobre a regulação, como já acontece com leis similares. Mesmo precisando de regulação, já temos uma lei que se sobrepõe a tudo que temos.

Quais os riscos de ser um tema que ainda depende de regulação?
Um ponto que destaco é que o órgão regulador precisa levar em conta que a regulação não pode criar uma incerteza jurídica. Por isso é importante discutir com a sociedade, com as empresas, fazer as consultas públicas para ter subsídios. Isso é importante para o tiro não sair pela culatra. Fazer uma regulação dentro da lei e não ir além. Muitas vezes, o ir além cria mais incertezas para o mercado do que segurança. Quando há uma incerteza, você freia o desenvolvimento, porque as empresas não vão ter certeza e não vão saber como dimensionar um determinado risco.

O principal efeito do PL será aumentar a demanda por biocombustíveis?
Não é só demanda. A lei estabelece uma porcentagem de biocombustível no diesel. Isso tem o efeito de uma redução de gases e o fomento à indústria de biocombustível. Mas essa é uma visão da perspectiva “consequencialista”. Se vai ter uma demanda maior, pode ter um aumento do custo de produção e um combustível, ao final, mais caro que o atual. E quem vai pagar por isso? Então é importante tratar as duas possibilidades, as duas nuances. O PL incentiva o biocombustível, aumenta a demanda e pode gerar mais empregos, mas, por outro lado, pode ficar um combustível mais caro que o fóssil.

O que ainda falta em termos de regulação para o setor de energia?
A bola da vez é o hidrogênio verde. Já tem uma perspectiva de regulação. A política do hidrogênio verde já está sendo discutida, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Ainda assim, temos notícias de alguns memorandos de desenvolvimento para essas plantas. O governo quer alguma prioridade para o hidrogênio verde, já que o país tem potencial para exportar e ao mesmo tempo aproveitar os produtos originários desse elemento, como a amônia. O problema é que há uma questão de custo de produção. Hoje há outras energias renováveis muito mais baratas. O mesmo se aplica à geração de energia eólica offshore.

Então o hidrogênio verde e as eólicas offshore não são economicamente viáveis?
A offshore não é. Quando se olha a relação entre custo e benefício, a geração eólica em terra é melhor. Ainda tem muito terreno para colocar essas turbinas. Os players estão avaliando tudo isso.

De alguma forma a geração de hidrogênio pode se beneficiar desse PL?
Não. É um projeto específico em discussão. É uma energia renovável. O hidrogênio verde em si não é uma energia, mas um produto que, para ser atingido, precisa de energia. O verde é o hidrogênio que foi feito com uso de energias renováveis.

É possível que o PL do marco regulatório do hidrogênio verde seja aprovado ainda em 2024?
Acredito que sim. Como diretora da ABHIC, a gente faz vários encontros com o governo sobre essa questão. A gente tem várias pautas com o governo. Algumas questões já podem ir para a votação, mas faltam alguns subsídios.

Quais são as lacunas para o setor de energia após a aprovação do PL do “Combustível do Futuro”?
Sempre vai ter algum ponto que estarão preocupados para aprovar. A gente tem um PL, que é o 4831, que trata das concessões de energia elétrica e dos pontos relativos à geração distribuída (uso de painéis solares). São preocupações que permeiam o setor.

O que é possível esperar após esse PL do “Combustível do Futuro”?
A proposta do PL do Combustível do Futuro tem que ser analisada entre um ganho ambiental e o socioeconômico. Vamos precisar que essa regulação responda às necessidades (do país). Ela não pode frear os avanços de inovação e, ao mesmo tempo, precisa atender os desejos ambientais. É preciso também um maior envolvimento dos stakeholders, da indústria e dos consumidores para se ter uma política sustentável a longo prazo. É importante o aumento da obrigatoriedade para a questão da mistura de biocombustível no diesel e no combustível de aviação. É preciso tomar um certo cuidado, porque há pontos de uma perspectiva positiva, mas também críticas. É importante uma abordagem mais equilibrada.

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